Estarrecido com os assombrosos dados que afetam a população desta comarca de Joaquim Gomes, analisando as estatísticas disponibilizadas pelo TSE, cheguei a seguinte conclusão no que pertine ao seu eleitorado.
Dos 14.4071 eleitores que compõe este município da 53ª Zona, podemos obter, por indução, um retrato da ordem no nosso Estado, principalmente no interior do mesmo. Fácil se tornará a compreensão de termos tão péssimos administradores públicos, bem como, fácil se torna saber por que somos um País de terceiro mundo. O descaso com a educação e a saúde pública são alarmantes, porém intencionais, pois é conditio sine qua non da manutenção de privilégios, hereditariedade e revezamento nos tronos públicos entre as mesmas figuras.
Segundo dados do TSE, neste município, p.ex., cujo eleitorado é na ordem de 14.407 eleitores, 4.414 são ANALFABETOS2 e 4.413 leem e escrevem. Acostumado com o trato eleitoral já percebi que os que leem e escrevem na verdade são pseudo – alfabetizados, pois que apenas desenham o nome e soletram palavras sem compreenderem o sentido do texto, por mais simples que seja. Levam em média dois minutos para assinar, isto é, desenhar os nomes, levando a um falso diagnóstico de que houve uma queda nos índices de analfabetismo no Estado. Dentre os analfabetos da língua, temos uma divisão: os que não desenham letras e os que sabem desenhá-las para assinar o nome e se livrarem da pecha infamante de analfabetos. A distinção entre analfabetos e os que leem e escrevem camufla uma realidade terrível: o nosso Estado é um Estado de iletrados, não porque o nosso povo queira, evidentemente, mas por que isto é útil aos rapinos – detentores do poder.
Assim sendo, temos que no município de Joaquim Gomes 8.827 eleitores são iletrados, correspondendo a mais da metade do eleitorado. Num município onde 61,26% dos eleitores carecem de experiência cultural formal, sendo que parte vive embrenhada no mato, sem contato com outra fonte de informação que não seja o rádio com sua programação grotesca, torna-se bastante relevante a tarefa do Ministério Público como defensor do Princípio Democrático.
No mesmo plano, temos outro dado tétrico, dos 14.407 eleitores, 3.930 têm 1º Grau incompleto, o que significa que mal sabem ler e escrever, vez que a força empregada no corte da cana e alugada aos latifúndios os obriga a uma vida de privações, inclusive a cultural, de modo que, ao invés dos anteriores 8.827 eleitores temos 12.757 eleitores em condições sub culturais, o que vale dizer que mais de três quartos dos eleitores deste famélico município (88,54%), ou seja, quase a totalidade dos eleitores, encontram-se desprovidos de um nível de escolaridade compatível com a dignidade humana. Há que se considerar, para melhor entendimento desta simplória análise estatística, que o eleitor de dezesseis anos deveria estar nos anos finais do ensino médio.
Com curso superior completo no referido município encontram-se 41 pessoas que votam nesta cidade, porém, boa parte desenvolve suas atividades principais na Capital, ou fora deste município. Entre eleitores com 1º Grau completo até eleitores com segundo grau incompleto temos um total de 1.210 eleitores, num universo de 14.407 o que corresponde a 8,4% dos eleitores que tem acesso a um nível básico de educação. Com 2º grau completo até Superior completo temos um total de apenas 407 eleitores, o que corresponde a 0,028% do eleitorado desta cidade. Níveis típicos de terceiro mundo. Razão esta de elegermos tiriricas, corruptos e assassinos a quem entregamos nossos futuros, os de nossos filhos e de várias gerações.
Diante deste quadro sinistro podemos dizer que a Democracia encontra-se fragilizada, visto que os eleitores (cidadãos), em sua maioria, não têm condições de se conscientizarem sobre uma adequada escolha, participando, assim, do processo eleitoral de forma capenga, atrelados a currais eleitorais e inconscientes no exercício da soberania popular, o que faz gerar um ruptura do princípio democrático. Nestas condições o papel do Ministério Público acentua-se de forma preponderante e responsável e até assumindo uma postura político-ideológica a fim de reverter tal absurdo.
Assumir uma postura político-ideológica não significa simpatizar com algum partido político. Tem a ver com uma concepção interpretativa do ordenamento jurídico, revisitando seu aspecto axiológico, inferindo dele a necessária correspondência entre a lei e o justo, efetivando e construindo, assim, a democracia. Em verdade, tal quadro camufla uma oligarquia que gera opiniões e impõe sutilmente ao povo a servidão mediante promessas de melhoras, de empregos ou de casas. Discursos iguais ao de seguimentos religiosos, que prometendo o Reino dos Céus, o Éden, o Paraíso celestial, arrancam dos fiéis dízimos que vão desde uns míseros reais que faz falta ao pobre na hora da mesa até a castração da liberdade em seus múltiplos aspectos como amor, prazer, felicidade e tantas outras coisas “proibidas”, parecendo haver um ardil para conservar o atual status quo. O Ministério Público, por ser guardião da Democracia e dos interesses maiores do Povo, deve estar sempre atento e vigilante, numa atalaia intransigente, pronto para atuar até contra a moral posta, que vem se tornando imoral, subvertê-la, caso injusta e efetivamente, transformá-la a bem da comunidade.
Abre-se o espaço mais uma vez à velha pergunta, quid sit jus? (o que é o direito) e suas infindáveis respostas. Olhar a realidade e esperar a concreção de regras jurídicas para só então agir não é o que se espera mais de um promotor de justiça. Diante deste quadro lôbrego de injustiças, de afirmações e declarações de direitos sem a correspondente verificação prática, o Ministério Público surge como entidade dinâmica, além da apatia dos demais poderes constituídos, buscando soluções jurídicas eficazes, tais como firmando ajustamento de condutas eficientes, sugerindo projetos de leis e até (não são poucos os casos) administrando um município informalmente através de recomendações e outros institutos, valendo-se de seu respaldo moral e do respeito que conseguiu estabelecer. Um quarto poder de fato, senão o primeiro, que vem rompendo as estruturas tradicionais de divisão de poder, ganhando não só a confiança e a admiração da sociedade, como também dos poderes institucionalizados, que não encontram opção de controle e de fiscalização se não através do MP (controle e fiscalização da atividade de polícia judiciária, do executivo,do legislativo e demais formas de controle externo a cargo do Ministério Público), respaldado na sua constante ação como defensor incansável da sociedade e da democracia.
Diante, portanto, de seu mister constitucional de defensor do Regime Democrático, esta singela análise demonstra que há muito que se fazer pela democracia, considerando esta em uma de suas múltiplas facetas como a igualdade de condições de todo o povo de acesso à cultura e à educação de qualidade e, consequentemente, à cidadania, através da possibilidade de escolha consciente de seus mandatários políticos, o que, diante deste lúgubre quadro, impossível se torna a prática democrática neste seu relevante aspecto.
Ao Ministério Público, por fim, que não está mais no parquet (assoalho), visto que subiu todos os degraus da confiança popular e, consequentemente, da soberania nacional, cabe o efetivo zelo pelo Regime Democrático não esperando que direitos dos cidadãos sejam violados para possibilitar o ingresso de alguma ação civil pública, ou outro remédio judicial, mas sim, também influindo diretamente nos poderes instituídos e na sociedade, pois o respaldo de Poder isento, imparcial e não afetado pela corrupção lhe garante essa possibilidade.
1 Os dados foram extraídos do site do TSE em 29 de outubro de 2010. (www.tse.gov.br/internet/eleicoes/distr_instr_blank.htm).